sexta-feira, novembro 24, 2006

Frio!

Uma das (muitas) razões que me levou a escolher a Eslovénia foi algo que afastaria imediatamente muitas pessoas: o clima!!
De facto, ao enverdar pelo programa erasmus tinha como objectivo vivenciar coisas novas e aprender. E quanto mais, melhor :) tinha aqui a oportunidade de viver num clima diferente do nosso e assim foi.

Os primeiros 15 dias foram de chuva intensa, mas depois quase não choveu mais durante o tempo todo.
Em Outubro e Novembro já fazia algum frio... mais ou menos como cá em Dezembro. Em meados de Novembro deixei de usar os casacos "normais" que aqui usamos e passei a usar sempre casaco de penas (daqueles que ficamos tipo o boneco da Michelin!) ou um outro kispo que tinha comprado alguns meses antes de ir e que só tinha usado uma vez. Além disso o cachecol, luvas e gorro passaram a ser os meus melhores amigos :p. A partir desta altura - ou até mesmo antes - a temperatura oscilava +/- entre os -3 graus e os +5. Só me lembro de 4 ou 5 vezes desde essa altura até voltar a Portugal, da temperatura ter atingido os 5 graus. Mas mesmo que a temperatura atingisse os 5 graus positivos, tal não significava "calor". Por vezes o céu até estava limpo mas a temperatura não subia porque o sol era fraco, não aquecia, apenas fornecia luz.

Dia 22 ou 23 de Novembro cairam os primeiros flocos de neve e do dia 25 ao dia 27 foi o primeiro grande nevão em que nevou quase incessantemente. As ruas ficavam quase intransitáveis nas primeiras horas e o trânsito caótico porque os limpa-neves apenas empurram a neve da estrada para as bordas e para os passeios, ou seja, o espaço para os carros era poucos e para as pessoas era nenhum!! Depois mais tarde lá faziam carreiros entre os montes de neve para as pessoas :)
Normalmente 2 ou 3 dias antes de nevar fazia mais frio e depois ficava melhor, como quando chove. E que lindo é nevar!!! Aqueles floquinhos inofensivos que caem e não nos molham e deixam a paisagem "à pólo norte" =) E que sensação aquela de ser o primeiro a pisar um caminho onde ainda ninguém passou e deixar lá as nossas pegadas ao som de um "trrr, trrr" em cada passo que damos! E as guerras de bolas de neve?!... LINDO!
Entretanto a neve na rua ia derretendo, principalmente devido à passagem dos carros. Os montes que estavam nos passeios derretiam muito lentamente mesmo porque as temperaturas baixas conservavam a neve. Assim, nas ruas menos importantes (em que os serviços de limpeza não actuavam tanto) às vezes estava um mês sem nevar mas os montes ainda lá estavam com tamanhos consideráveis!! E depois voltava a nevar 2 ou 3 dias seguidos e pronto... mais do mesmo e com os montes a irem acumulando! Além disso a neve depois de entrar em contacto com o chão, e com a passagem dos carros, tornava-se numa espécie de lama bastante dura e resistente e também escura e feia.

Com estas temperaturas, andar na rua reduz-se ao máximo. Quase só estávamos na rua quando precisávamos de apanhar o autocarro. Uma vez a temperatura estava "alta" - 4 ou 5 graus! - e eu decidi não levar o gorro... Ainda por cima nesse dia tive que andar bastante porque tive de ir à nokia e não sabia bem onde era. Conclusão: ao fim de 10/15 minutos tinha a cabeça bué fria e as orelhas doiam-me! Mas doiam a sério lol. Tive que fazer o resto do caminho com as mãos nas orelhas feito tótó e com frio também nas mãos, que, mesmo com umas luvas especiais, com forro, iam sempre nos bolsos!!
Uma coisa que me aconteceu muitas vezes quando chegava à noite a casa (havia poucos autocarros, tinha que andar uns 20 minutos a pé) era sentir o queixo preso e por causa disso não conseguia articular muito bem algumas palvaras porque o maxilar não funcionava como de costume! Andar de bicileta então era uma tarefa dantesca, com a deslocação do ar parecia que engolia aquele frio todo.


Às vezes, mesmo em casa o ambiente não era o mais agradável porque o nosso senhorio desligava os aquecedores!!! (pensamos nós que seria para pagar menos gás, o sacana!). A roupa demorava dias a secar dentro de casa, e pô-la na rua era o mesmo que deixá-la dentro de uma bacia de água...

Em Janeiro e Fevereiro as temperaturas desceram bastante. Nós estavamos sempre "em cima" dos termómetros porque havia 3 ou 4 bem grandes espalhados pela cidade. O mínimo que vi foram -10, mas houve quem tenha visto menos. Isto foi durante o dia mas até penso que faia mais frio de dia que de noite, porque de dia era um frio seco e à noite fazia muita humidade (ás vezes via-se mesmo a humidade como se estivesse a borranhar) que torna o tempo mais húmido e talvez mais fácil de suportar.
De qualquer maneira não eram só as baixas temperaturas que eram dificeis de aguentar. o vento é aqui um factor fundamental lol. Um dos dias mais frios foi sem dúvida em Zagreb, com +5 graus!! Mas o vento era tão forte e gelado que eu mais parecia um cubo de gelo a deslizar pela rua!!!

Quando fui a Viena e Bratislava ( finais de Janeiro) também estavam temperaturas muito baixas e muito vento. Foram 3 dias a apanhar muito frio porque estávamos o dia todo na rua a passear e a visitar e esses sim devem ter sido os mais frios da minha vida. As mãos mesmo com as luvas e nos bolsos doiam, principalmente os dedos. Era de tal ordem que até a simples tarefa de tirar uma foto se tornava penosa :S De vez em quando tinhamos que entrar em lojas de souvenirs para quebrar um bocado aquele ritmo e apanhar algum calor. Nestas temperaturas as calças de ganga tornam-se pesadas e tesas e muito frias. Para mim era preferível estar parado, pois com a deslocação elas tocam-nos na pele e passam-nos todo aquele frio acumulado... Brrrr!!!! A solução que adoptámos foi... vestir as calças do pijama por baixo das calças lololol. E foi uma excelente ideia que um amigo espanhol teve (curioso!...). De resto eu andava lá que parecia o corcunda de notre dame,na tentativa inconsciente de proteger o pescoço, sempre com os ombros ao pé das orelhas!! E no fim do dia... ui, que dores de costas lool!

Em Praga e Berlim (inícios de Fevereiro) também fez muito frio, passou-se mais ou menos o mesmo que em Viena, mas aí usei logo o truque do pijama desde o primeiro dia LOL.

Quando saí da Eslovénia e antes de vir para Portugal, passei 3 ou 4 dias em Roma. Cheguei lá no dia 11 de Fevereiro à noite. No outro dia de manhã, quando saí à rua estavam 7 ou 8 graus, o sol brilhava, iluminava e... AQUECIA!!! Naquele momento, lembro-me, esbocei um sorriso! Apenas o facto de aquele sol produzir um efeito de calor no meu corpo fez-me ficar um bocadinho mais alegre. É curioso que só aí dei o real valor ao sol, não tanto quando não o tive. Percebi então a sorte que temos em viver num dos países mais quentes e solarengos da Europa. E só aí, após 3 ou 4 meses a viver com temperaturas entre os -10 e os +5, consegui perceber por mim próprio porque é que os estrangeiros lhe dão tanta importância... ao SOL e também porque sorriam muito para nós quando dizíamos que éramos portugueses ao mesmo tempo que diziam bastante empolgados e contentes "oh! Portugal... sun, beach, nice people, parties!!!".

Não duvido que o nosso clima e o nosso SOL QUE AQUECE são razões bastante influentes na nossa maneira de ser e que nos tornam pessoas bem dispostas e acolhedoras! Esta foi mais uma grande experiência não só porque me permitiu viver uma nova realidade como também me permitiu valorizar uma coisa à qual não damos o devido valor por termos "sempre à mão". E ainda permitiu conhecer-me melhor enquanto português, algo que praticamente só é possível quando nos afastamos de nós próprios e aprendemos a olar-nos segundo a perspectiva de outrém.

Nas fotos está a minha rua após um grande nevão e um boneco de neve feioso que eu lá fiz =)


segunda-feira, novembro 06, 2006

O vizinho assassinado!

Já não me lembro do dia exacto em que isto se passou, sei que foi um domingo em Novembro, ou dia 6 ou dia 13, mas o que se passou foi o seguinte: após um sábado de noitada (muito provavelmente no kmš lol) acordei já bastante tarde, por volta da hora de almoço ou até mesmo depois (oh que espanto!). O pessoal lá de casa foi saindo para ir ao centro almoçar ou dar uma volta, e em casa fiquei apenas eu e a Maria. Eu estava a fazer um trabalhito para uma qualquer cadeira e ela estava na despensa com o portátil na janela, ao frio a roubar a net ao vizinho =). Começámos a ouvir berros de mulher e também choro mas não ligámos, pensando que seria alguma discussão numa das casas vizinhas (numa zona de vivendas). Passado algum tempo começámos a gozar com a situação e questionarmo-nos do que se estaria a passar, pois já não a podíamos ouvir!! Eu pensei que fosse um caso de violência doméstica! Olhei pela janela das traseiras mas como não vi nada voltei ao trabalho (que trabalhador!...). Recordo-me perfeitamente de nessa tarde ter falado com o meu pai ao telefone e lhe contar a situação e dizer em tom de brincadeira “até parece que morreu alguém”…
Entretanto o pessoal começou a voltar para casa e disseram nos que estava um grande alarido de polícia e ambulâncias na casa em frente à nossa, do outro lado da rua. Só então, descobrimos que a situação era grave.
Quando saímos à rua deparámo-nos com um enorme arraial não só de polícias e afins mas também de vizinhos a olhar (afinal não é só o tuga que é “olheiro” lol) e de várias mulheres aos berros e a chorar, cá fora. Pensámos que tinha morrido alguém mas estranhámos a polícia… Enfim, alguém ganhou coragem para ir perguntar (acho que foi a Guida!) e foi aí que uma vizinha nos disse “o senhor que morava aqui foi ASSASSINADO!”. Assassinado!!!!!!!! Ali! : do outro lado da rua, a 20 metros da nossa porta! Assassinado é uma palavra difícil de ouvir, especialmente quando se trata do nosso vizinho, mesmo não o conhecendo. Por momentos uma pessoa pensa “epá, isto foi perto…”.
Nessa altura não percebemos nada do que se estava a passar. Parecia uma cena à CSI: havia uma fita azul da polícia a rodear a casa, impedindo a passagem, havia uns homenzinhos todos vestidos com fatos especiais brancos tipo ETs a inspeccionar tudo e mais alguma coisa…

Voltámos para casa e claro que os acontecimentos foram tema de conversa até ao fim do dia (e dias subsequentes). Mais tarde, nesse mesmo dia, vieram-nos bater à porta: era um dos 3 vizinhos eslovenos (estudantes) que viviam mesmo por baixo de nós. Disseram-nos para irmos a casa deles porque estava lá um inspector a fazer interrogatório. Perguntou-nos de onde éramos, o que estávamos a lazer, à quanto tempo lá vivíamos, etc. E também o que tínhamos feito o dia todo e se tínhamos visto ou ouvido alguma coisa. Todos respondemos que não. Ainda nos perguntou se tínhamos visto alguém com uma arma lol. Antes de sairmos disse-nos que não tivéssemos problemas nenhuns porque aquilo era um caso isolado, são casos pontuais que acontecem mas que não punham a nossa segurança em causa. Para terminar disse a frase cliché: “se se lembrarem de alguma coisa contactem-nos”. Exactamente como nos filmes!

Já ao final da noite, antes de me ir deitar resolvi dar mais uma olhadela pela janela e eis que vejo um “saco de plástico” branco, comprido a ser transportado para uma ambulância :( certamente foi uma das piores coisas que vi até hoje… Depois arrependi-me de ter ido à janela! Mais ninguém viu aquilo, apenas eu. Já sabíamos que nos íamos arriscar a tal coisa então o pessoal resolveu não ir mais à janela. Mas eu com aquela curiosidade à puto!... Argh!...

Ficámos um bocado assustados e nos dias seguintes resolvemos ter mais cuidado. Por exemplo, nem sempre fechávamos a porta à chave (mesmo com a casa vazia) e começámos a fazê-lo. Devo dizer que senti algum receio, mas controlável, até porque durante alguns dias a polícia esteve à porta da casa 24 horas por dia. Talvez me tenha sentido um pouco mais inseguro quando eles abandonaram a vigia. Por um lado fazia fé nas palavras do inspector e pensava que em todo o lado há assassinatos (sim, em Portugal também os há mas normalmente ouvimos falar deles pela televisão, não se passam com o “Sr. Zé” da frente!). Por outro lado, de vez em quando tinha aqueles pensamentos estúpidos tipo “tive o dia todo em casa, será que o gajo me viu e não quer deixar testemunhas?!” LOLOLOL.

Passaram-se os dias e as coisas voltaram à normalidade. Até me parece que soubemos lidar bem com o assunto, tínhamo-nos uns aos outros e funcionámos bem enquanto grupo nesta situação de algum stress. De vez em quando iam surgindo notícias sobre o caso, pelo que, cerca de um mês depois sabíamos mais ou menos o que se tinha passado: o Sr. foi morto com 4 tiros… Parece que a casa era recente e que ele a tinha construído com dinheiro emprestado pela máfia que actuava na antiga Jugoslávia. Quando o país se desintegrou eles passaram a actuar mais na Sérvia, Croácia e Bósnia mas neste caso tinham ido atrás do individuo – com nacionalidade eslovena e bósnia – onde ele estava, por não ter pago o que devia… Não me lembro bem mas penso que depois apanharam os autores do crime.

Resta dizer que o sitio em que vivíamos, “Murgle”, era um dos bairros mais “in” de Ljubljana (ou mesmo o mais). Quando eu dizia aos eslovenos que lá vivia, a reacção deles era de espanto: “A sério?! Nesse bairro vive o 1º ministro e o antigo presidente da república!” E realmente viam-se muitos carros de polícia, especialmente à noite. As casas não eram nada de especial, mas que aquilo tinha fama, tinha :)

Agora posso dizer que foi mais uma experiência do meu erasmus. Na altura não achei muita piada mas isso não mancha nem um pouquinho a cidade, o país ou a vivência que lá tive. Foi apenas um questão de azar. Aliás, azar teria sido se o assassino se enganasse e entrasse na casa em frente LOL…

A primeira foto é com a minha casa e a segunda éo outro lado da rua (é a da esquerda)...


sábado, novembro 04, 2006


Emoções fortes. Experiências marcantes. Momentos especiais. Amizades, aventuras, nomes e sorrisos. São estes aspectos que recordamos pela vida fora. São estas vivências que nos fazem viver e sonhar, recordar pela vida fora o que um dia fomos e fizemos. É com este intuito que escrevo este blog, para que, um dia mais tarde, continue a lembrar-me de quase tudo, ou pelo menos das coisas mais importantes. Procuro assim lutar contra o tempo, contra a nossa memória fraca que se vai dissipando ao longo dos tempos. Certamente que hoje, passado um ano dessa grande experiência ERASMUS EM LJUBLJANA, há coisas de que já não me lembro e assim continuaria num processo evolutivo ao longo dos anos, que culminaria, dentro de uns anos (dezenas, talvez), numa breve lembrança do que um dia foram esses 4 meses e meio. Óbviamente que os milhares de fotografias que tirei me ajudarão nesse exercício mental de luta contra o tempo, todavia, alguns dos momentos mais marcantes foram os expontâneos, os imprevisíveis aos quais a fiel máquina fotográfica, sempre na bolsa a tiracolo não teve tempo de responder. Esses sim, são os momentos que aqui tentarei imortalizar.

Porquê fazê-lo num blog? Escrever uma espécie de diário/memórias seria para mim exactamente igual, para mim o importante é poder reler estas experiências sempre que o desejar. Contudo, penso que isso seria algo egoísta, visto que esses momentos foram partilhados com outras pessoas que certamente também terão dificuldade em recordar tudo e às quais dará um especial gosto revivê-las (obviamente, limitado aos portugueses e talvez aos espanhóis). Outro factor importante para o fazer em blog são os demais. Os que não fizeram erasmus ou que fizeram noutros locais e que, portanto, não conseguem compreender (pelo menos não tão bem) o que é esta experiência. Espero que possam de alguma forma, pôr-se na minha pele e dos que comigo por lá viveram...

E porquê o nickname de “Prešeren”? France Prešeren (lê-se “prêchêrane”) foi o maior escritor esloveno. Viveu entre 1800 e 1849 e teve um papel importante na formação do sentimento esloveno enquanto povo e país, visto que nessa altura a Eslovénia era parte da Áustria (afinal as aulas de Sócio-Economic Development and Contemporary Slovenia serviram para alguma coisa!). Aquando da independência em relação à Jugoslávia, em 1991, o seu poema “Um brinde” tornou-se no hino nacional.
Mas este nickname não pretende apenas honrar tão importante figura. A praça principal de Ljubljana chama-se Prešerenov Trg (Praça de Prešeren) e foi palco de inúmeros episódios desde encontros marcados lá até à passagem de ano de 2005 para 2006 na companhia de muitos amigos e de um extenso fogo de artifício de cerca de 30 minutos. É ponto de confluência de ruas importantes e um óptimo sítio para passear ou descontrair numa esplanada ao ar livre. Também nesta praça está um monumento famoso – “Tromostovje” (Três Pontes), como o nome indica são três pontes seguidas – que a ligam ao outro lado do rio Ljubljanica. Este é, então, o ponto mais nobre da cidade e onde por vezes se realizavam concertos e animação de rua. Prešeren é sem dúvida um sinónimo do meu erasmus!

Nas fotos uma vista aérea da praça (grande Google Earth (-: ) e uma vista noturna excelente da praça com as pontes, a estátua do Prešeren por cima e os edificios circundantes (a igreja cor-de-rosa é fenomenal!).